É um romance modernista, pertencente à segunda fase do Modernismo no Brasil (1930-1945), também conhecida como Romance de 30 ou fase Neorrealista, cuja narrativa aparece fortemente vinculada às transformações políticas, sociais e econômicas do período. Pela primeira vez na história da literatura brasileira, um escritor denuncia de maneira panfletária – romântica, e paradoxalmente, socialista e realista – o problema dos menores abandonados e dos menores infratores que desafiavam a polícia e a própria sociedade. A abordagem romântica deve-se, exclusivamente, ao fato de o autor minimizar os delitos dos meninos e acentuar os defeitos da sociedade, nem mesmo a Igreja ficou livre da censura do autor. Por outro lado, Jorge Amado traz para discussão a problemática desses meninos que não tiveram a felicidade de ter uma família ou a felicidade de ser acolhidos pelo Estado que tinha ( e ainda tem) a obrigação de defendê-los de qualquer tipo de marginalização.
Capitães da Areia trata da problemática do menor abandonado e das suas consequências: a violência, a criminalidade, a discriminação e a prostituição. A narrativa inicia-se com uma sequência de Cartas à Redação do Jornal da Tarde – Carta do Secretário do Chefe de Polícia; Carta do doutor Juiz de Menores; Carta de uma Mãe Costureira; Carta do Padre José Pedro; Carta do Diretor do Reformatório – a fim de debater as questões referentes a crianças que viviam do furto e infestavam a cidade. São apresentados, logo em seguida, três capítulos: “Sob a lua num velho trapiche abandonado”; “Noite de grande paz, da grande paz dos teus olhos” ; Canção da Bahia, “Canção da Liberdade”.
No primeiro capítulo, o leitor entra em contato com o universo dos meninos, suas tristes figuras e suas histórias de vida. As principais personagens são: Pedro Bala, um menino de quinze anos, que ganhou o direito de liderança, após uma “briga de foice”. Loiro, com uma cicatriz no rosto, passou a ser uma espécie de pai para os garotos. Tinha a autoridade necessária para liderar o grupo, agilidade e, acima de tudo, tornou-se um exemplo para aqueles meninos. O Professor era uma luz na escuridão… era ele quem lia histórias de marinheiros, de aventuras… trazia para a realidade daqueles meninos a fantasia, que só a literatura poderia proporcionar. Gato era o malandro, usava sua esperteza para conseguir “se dar bem na vida”, é o explorador de mulheres. Sem-pernas era o ódio em pessoa. Desde pequeno aprendera a odiar a tudo e a todos, até mesmo quando amava. Fingia-se de órfão desamparado e se aproveitava de suas vítimas para roubá-las. João Grande era o “negro bom” como dizia Pedro Bala. Pirulito, a fé. No segundo capítulo, o leitor é apresentado à personagem Dora e ao irmão, que após perderem os pais, vítimas da varíola, vão fazer parte dos Capitães da Areia. No terceiro capítulo, após a morte de Dora, o leitor se depara com grandes transformações. Dora partiu o coração de todos aqueles meninos. A vida, no Trapiche, nunca mais seria a mesma. A vida precisava seguir seu curso, alguns sonhos se concretizaram, outros foram, estupidamente, interrompidos. Pedro Bala, embora perseguido pela polícia de cinco Estados como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem estabelecida, transformou-se em herói de sua classe.
“ … E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família.”
(AMADO, 1983; p. 231)
Jorge Amado, amado pelo público, incompreendido, muitas vezes, pela crítica – pelos descuidos com a língua portuguesa, pela linguagem coloquial, pela forma idealizada com que apresentava as suas personagens – será sempre lembrado como o escritor que conseguiu manter um diálogo permanente e intenso com o público. Capitães da areia, apesar de ter sido escrito há tanto tempo, continua atual. É o que mostra o pesquisador literário Eduardo Assis Duarte, a história daqueles meninos continua a pontuar as páginas dos jornais e da televisão, a mostrar que os problemas sociais, econômicos e políticos persistem.
Quanto a fogueiras e menores abandonados, a triste conclusão é que continuam a fazer parte da história pátria. Os meninos passaram de “dominados” a “excluídos”, apesar de frequentarem cada vez mais espaços públicos. Já as fogueiras, também elas persistem. No alvorecer do milênio, desinteressaram-se aparentemente dos livros. Voltam-se agora para os índios, mendigos e homossexuais. ( DUARTE, 204: 50)
Percorrer as páginas do livro é um exercício de cidadania. Mesmo que seja, de forma idealizada, Jorge Amado criou personagens envolventes, capazes de “abrir” os olhos do leitor, que se vê envolvido em cada história, que reconhece um ou outro personagem nas páginas policiais. São heróis? São bandidos? São vítimas? São menores abandonados! É preferível acreditar que são vítimas, vítimas da marginalização a que são submetidos. Vítimas de um sistema que precisa, urgentemente, mudar.
Por Maria Cristina Altvater Biagio, Professora de Literatura.
Referências Bibliográficas:
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 57 ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.
DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: leitura e cidadania. In: AMADO, 2004, p. 39-50.